quarta-feira, 25 de agosto de 2010

CABRINHAS DE ALMOSTER COMEM HERAS, EMPOLEIRADAS, PELOS MUROS DO CONVENTO



sábado, 14 de agosto de 2010

CORAGEM DE SER



CORAGEM DE SER

Senti que lancei
O meu corpo às feras,
E que a água fétida dos charcos
Veio salpicar o meu espírito,
Sentindo em mim mesma
O cheiro nauseabundo,
Da podridão escondida
Que foi sendo revelada.

Senti que fui alvo
De armas de tempos passados
De flechas, e guilhotinas,
Ao sentir-me asfixiar
Debaixo de um alçapão.

Senti-me assim personagem,
Daqueles filmes violentos,
Que julgava eu! Eram apenas
Figuras da imaginação!

Mas nesta longa-metragem
Vou bater-me
Até á exaustão!

Não me importo
De ser injustamente queimada,
Como o foi, Joana D´Arc…



O que me interessa da vida
É tão-somente a verdade:
Lutar pelos meus ideais!

E recuso, e não quero,
Viver o tempo que resta
Em lutas medievais.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A AVÓ E AS SUAS CRENÇAS

12º CAPITULO

A AVÓ E AS SUAS CRENÇAS

Nesse tempo não havia inseminação artificial, toda a procriação era feita ao natural, havia uns vizinhos que tinham uma vaca e, para ela engravidar, o dono ia com ela mais de dez quilómetros a pé, isto para cada lado.

Era Maio, época de rebentaram as trovoadas fortíssimas, com trovões de fazer estremecer o chão, raios que iluminavam tudo por entre o negrume das trovoadas e as chuvas fortíssimas que caíam.

Era de meter medo, e foi por isso mesmo que a dona de uma vaca, já muito aflita, foi ter com a avó Joaquina, pedir-lhe que rezasse e acendesse uma lamparina a Santa Bárbara para que o filho chegasse a casa são e salvo com a vaquinha.

A avó Joaquina com toda a sua fé o fez, e foi com este cenário que ele e a vaca voltaram para casa quando ia chegando a noite, e a força maior da trovoada já tinha passado.

De vez em quando passava por ali um homem numa bicicleta, trazia da parte de traz uma grande canastra, fechada, para meter a mercadoria que ia comerciando pelo caminho. Parava na estrada e gritava, lá para baixo o seu pregão: ‘…ooooovvvvvzzzzziiiiiiiiiiigalinhas!’.

A mãe ou a avó gritavam cá de baixo, se tinham ou não alguma coisa para vender, os ovos era sempre uma dúzia com treze para compensar algum que se partisse, e as galinhas eram avaliadas a olho.

O homem pegava na galinha, pelas asas, fazia com o braço como se fosse uma balança, abaixo e acima, e dizia para a Julieta ‘por esta dou-lhe tanto’, e o tal tanto nunca era o mesmo para todas, dava um valor conforme lhe parecia o peso.

Era o mesmo com o valor dos coelhos, eram também uma criação abundante a nível familiar, as coelhas eram escolhidas entre as melhores descendências para fazerem boa criação.
Havia sempre um bom coelho reprodutor guardado numa coelheira à parte, só via alguma coelha quando Julieta ou a avó Joaquina entendiam ter chegado o tempo para elas emprenharem.
O que acontecia na mesma coelha, várias vezes por ano, tendo pelo menos três ninhadas, desde o Outono, Inverno e Primavera. Depois paravam de as reproduzir, para que os coelhitos chegassem bem ao Verão. Assim já estariam meio criados e mais resistentes para ultrapassarem a época da doença que aparecia no Verão, e com ele o picar das melgas.

Quando elas ficavam prenhas, a avó Joaquina conseguia verificar mesmo se estavam apalpando a barriga da coelha, para sentir os grânulos dos coelhinhos em formação. Essas eram logo separadas, as coelheiras limpas, as lousas preenchidas com palhinha limpinha, para fazerem os ninhos.

Nesse trabalho as coelhitas ajeitavam muito bem a palha, levavam as palhas na boca cheia, tipo molhinho, arrancavam os próprios pelos com a boca, e faziam um ninho fofinho para aí nascerem os seus filhotes.

Era um trabalho que Dalila não perdia, o da mãe coelha, lindo de ver: ela ficava parada ao pé da coelheira a observar esta azáfama da coelha, mas a avó não deixava que lhe mexesse, nem que se aproximasse, porque a coelha podia enjeitar, e não cuidar bem dos coelhinhos, quando eles nascessem.

O AVÔ ZÉ

Agora um momento para se falar do avô Zé Franquinho, o seu nome de família mesmo era José da Silva Frade, nascido no Grainho, de uma grande família Frades e, por estranho que pareça, Dalila, a sua neta mais velha, era a única que tinha o nome dele completo, Silva Frade, sendo o Frade o que sempre gosta de utilizar em assinatura.

Todas as pessoas lhes chamavam desde pequeno Zé Franquinho, pela sua maneira de ser, uma pessoa que dava tudo a todo o mundo, o que era dele era também de quem mais precisasse, daí o ser amigo, o ser franco, na sua maneira de se entregar aos outros, e a raiz da sua alcunha, Zé Franquinho.

Partindo da visualização de imagens da infância de Dalila do seu avô Zé, desponta sempre a dele impecavelmente vestido, calça e casaco, chapéu na cabeça e, fizesse chuva ou sol, um chapéu-de-chuva pendurado no braço, uma pastinha na mão, a subir a serventia rumo à estrada.

Começava ali os muitos quilómetros que percorria durante um dia da sua vida, e isto porque nunca ninguém o via utilizar o transporte público, e todos os dias saía para o seu ganha-pão, a venda de lotaria. Dalila sempre conheceu bem o avô Zé, apenas, o avô vendedor de lotaria.
O avô vinha de uma família de classe média, ao longo da vida e com alguns azares foi perdendo alguns bens, mas a aparência e maneira de estar na vida essa permaneceu.

No entanto parece ter sido uma pessoa incompreendida, desajustada, um revoltado com a vida que procurava viver à sua maneira, num meio que não seria o seu, por natureza, mas com quem também não procurava criar muitos laços.

Além de outros problemas apanhou uma doença pulmonar, ainda novo, enfermidade muito difícil de tratar na época, nesses anos trinta, depois advém daí a sua fragilidade para certos trabalhos, a que se junta também um problema de pigmentação na pele, com manchas brancas, e razão para andar sempre de chapéu-de-chuva-ou-sol, porque andava a pé, num Ribatejo ardente, e para se proteger desse sol inclemente.
Não queria tornar-se pesado no agregado familiar, onde não trabalhava - e eram sete pessoas a comer - e o avô Zé pouco ou nada comia em casa, saía logo de manhã e petiscava por onde andava, um dia por cada lado, e todos os dias, até no fim-de-semana.

Tinha os dias certos e os clientes certos em cada localidade, pelas terras vizinhas, a sul, no sentido de Santarém, a sua cidade, onde já tinha sido comerciante, e onde possuíra essa casa, onde morara, e que havia perdido.

No sentido norte, não gostava de ir - dizia que ‘do lado de Almoster, nem homem nem mulher, nem nada que de lá vier’ - primeiro porque não gostava do genro, que era do lado norte, e não gostava daquela Freguesia onde quem mandava era um conde que era o Regedor.

E na época o cemitério, aí em Almoster também, era uma autêntica charneca, onde havia poucas campas arranjadas, só quem mais tinha é que podia ter um jazigo, e as campas eram poucas até, só terra, umas placas poucas, feias, umas chapas de identificação pintadas de preto, e onde havia mato por todo o lado, por não terem obrigatoriedade de fazer mais por um local onde os restos mortais mereciam descansar com mais dignidade.

Por isso tudo, e mais algumas ideias que não proferiu, sempre pediu em casa que quando morresse o enterrassem em Santarém, não queria ir para Almoster nem morto. A avó e Julieta fizeram-lhe depois a última vontade, o funeral foi para Santarém.

E como estamos a falar da morte, passo a contar um episódio deveras peculiar, passado com este avô. Certa vez o avô Zé adoeceu. Como o seu estado já era visivelmente grave e não sabiam como resolver a questão em casa, a mãe foi chamar o médico dele, o Dr. Costa, era um médico da família, já muito velhote.

O médico chegou num carro muito antigo, com motorista, desceu já todo coxo, e teve que ser ajudado no resto do caminho, onde o carro não podia ir.
Entrou em casa, levaram-no ao quarto para ver o doente, e o senhor Doutor só disse ‘então que partida é que este Zé Frade nos está a pregar agora?’. Julieta e Joaquina ficaram á espera que ele lhes desse a resposta. Quando saiu do quarto disse-lhes: ‘pois é raparigas, desta vez não há mais nada a fazer, podem chamar o cangalheiro.’

Para Julieta não ir a Santarém - sempre eram dez quilómetros - ele mesmo se encarregou de fazer a participação à funerária, deixando já o óbito assinado.
A partir daquele momento elas todas aflitas começaram a chorar, e até a gritar na rua para as vizinhas ouvirem, o pranto de morte, e Julieta retirou a roupa que tinham sempre preparada numa gaveta, era a roupa melhor, para a mortalha.

Julieta vestiu-o impecável, como ele gostava, mudou a roupa da cama alta de ferro onde ele dormia, compôs ainda com uma colcha nova, também guardada para o efeito, deitou-o esticadinho por cima da colcha, os braços cruzados no peito, tapou com um lençol branco bordado e com renda grande, do seu enxoval, foi ainda colocado, a tapar a cara, um lenço de assoar, também ele todo branco, que fazia parte da roupa apropriada para a mortalha.

Com tudo pronto, era as posições do costume ocupadas para o velório, a avó sentada perto, as vizinhas tinham já tomado conhecimento e voltariam mais tarde, e o cangalheiro também logo chegaria.
E passaram duas ou três horas, chegou o caixão, os homens entraram, tudo certo, havia que passar o corpo para o caixão, tudo no quarto preparado, os homens agarram o corpo, mas largam de novo, analisaram o avô, desconfiados.

Pediram um espelho a Julieta, que ela prontamente foi buscar, correndo a sua casa, e chegaram o espelho junto da boca do avô Zé, esperaram algum tempo, retiraram e analisaram o espelho, não havia dúvida, estava com vida, a sua respiração estava no espelho.

A avó Joaquina deu-lhe um fanico, e tombou no chão toda vestida de viúva, Julieta ficou perplexa sem saber o que fazer, mas o sangue frio dos cangalheiros ajudou a remeter tudo na ordem.

A avó foi reanimada, a mãe foi retirar o fato e vestir o avô para continuar aconchegado na cama, os homens foram de novo para Santarém participar o que se passava, ao médico, que voltou de seguida. O médico veio, e pediu desculpa pelo engano, deu-lhe logo uma injecção, passou receituário que a mãe, aproveitando a boleia do carro do médico, se apressou a ir aviar à farmácia, a Santarém.

Mesmo sendo apenas um erro médico, a avó chorava e dizia que o avô tinha feito de propósito para a experimentar, que a tinha feito passar uma vergonha, chorava, e reclamava, que ele tinha gozado com ela toda a vida, e até na morte continuava a gozar.

Coitada da avó Joaquina, até dizia que quando ele morresse de verdade, já não ia ter mais lágrimas para chorar por ele, porque ele já lhas tinha secado em vida.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPITULO

LÍDIA FRADE