quarta-feira, 30 de junho de 2010

9º CAPITULO...AS HISTÓRIAS DA AVÓ JOAQUINA

9º CAPITULO

AS HISTÓRIAS DA AVÓ

Era a avó Joaquina que lhes contava todas as histórias, as dos lobisomens, as das bruxas más, e até das mouras que, supostamente, viviam escondidas dentro das minas, e roubavam as meninas se elas lá fossem espreitar - as mouras levavam-nas e nunca mais viam os pais, nem os avós, era tudo uma desgraça.

Mas de todas as histórias a que Dalila mais gostava de ouvir era a de um rouxinol que, costumava sempre cantar ali em baixo, na vinha.

A história começava assim: o rouxinol era o pássaro mais amado de Nossa Senhora, e para ela cantava, pousado nas videiras, mas… como as videiras cresciam de noite, Nossa Senhora recomendava-lhe, ‘que não adormecesse enquanto a noite e a videira crescessem’, mas o rouxinol esqueceu-se e adormeceu e, silenciosamente, um anel de uma videira foi crescendo, crescendo de mansinho durante a noite, e foi prendendo o pezinho do rouxinol, suavemente, sem ele dar por tal situação.


Quando o rouxinol pela madrugada acordou, prepara-se para voar para outra árvore mas… não conseguia voar, nem conseguia soltar-se da videira, então começou a chorar e a lamentar-se, esse choro e esse lamento era o seu cantar, apesar de ser lindo, porque a sua voz era linda, mas dizia, recordando as recomendações: ‘Nossa Senhora disse, disse, que enquanto a noite, e a videira crescesse, que não dormisse, que não dormisse’.
E assim destas palavras se completa o cantar do rouxinol. Nossa Senhora foi libertá-lo, mas ele nunca mais esqueceu, e no seu cantar com as mesmas palavras, passou de geração em geração, na família dos rouxinóis, e continuam assim, com a recomendação de Nossa Senhora, e a mesma entoação no seu cantar.
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Era com a avó Joaquina, que aprendiam a rezar, ela era a sua catequista, rezavam juntas, ensinava-lhes o Pai-Nosso pequenino e grande, o Anjo da Guarda também, de duas versões, orações a vários Santos e Santas, e até a Santa Barbara quando fazia trovões.

Quando havia a procissão da Senhora da Saúde na Ribeira de Santarém, a avó gostava muito de lá ir, mas nem todos os anos podia, também se gastava dinheiro, mas num ano levou lá Dalila, que, para além da Procissão, outras coisas houve que lhe prenderam a atenção.

Todas as pessoas aproveitavam aquele dia de festa, levavam o seu farnel e, ali, pelas encostas, nas sombras das oliveiras, todos comiam e faziam os seus piqueniques, e havia os vendedores de melancias, que todas as pessoas compravam para refrescar e completar as suas refeições.

Já na Procissão do Senhor dos Passos, para o Santíssimo Milagre, iam mais vezes com a avó, porque era muito devota, do Santíssimo, e a avó contava-lhes a História do Milagre, levava-as a ver Jesus em tamanho natural, que estava exposto, e foi lá que Dalila viu pela primeira vez um grande órgão de Igreja, no piso superior, que tocava música sacra e com um som divinal, que impressionou Dalila.
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Na fazenda da família todos trabalhavam, mas tinham horas para tudo, para a escola, para brincar, e para trabalhar, mas era tudo um pouco entregue a si próprio, os pais nunca se preocupavam se as filhas tinham estudado ou não, se tinham feito os trabalhos da escola, isso era irrelevante.

Apenas quando chegavam à quarta classe, que era o topo do ensino obrigatório, e se não tinham estudado o suficiente para passar, então sim, e a sentença dos pais era ‘se não estudaste, agora há trabalho para fazer, e irmãs para cuidar’, simplesmente isto.

Quando era no Verão e fazia muito calor, era a hora da brincadeira, não tinham brinquedos, ninguém os comprava, nem os oferecia, mas elas inventavam, todos os caquinhos de louça partida que encontravam eram os pratos de louça para brincarem às casinhas.

Tinham também os trapinhos das costuras da avó, e ela ensinava a fazer as suas bonecas, ou por vezes era ela que as fazia com muito aprumo e gosto, e por isso mesmo, e pelas recordações de Dalila, nasce um poema dedicado às suas bonecas.


A MINHA BONECA

A minha boneca
Que eu fiz de trapos,
Não ficou careca
Nem lhe faltou sapatos.
Com braços de bunho,
De pano-cru, o corpo,
Filha do meu sonho
Ficou-lhe um pé torto.
Olhos de botão
Perlé na boca
Dei meu coração
A coisa tão pouca.
Fiz saia godés
E blusa de chita
Laços em viés
Que bem que lhe fica.
Suave lembrança
Boneca e princesa
Foi tempo de esperança
De menina, pobreza.

TEXTO E POEMA DE LÍDIA FRADE

CONTINUA NO PROXIMO CAPITULO

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