quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

CAPITULO 11º CONTO DE NATAL!!!


CONTO DE NATAL


Julieta tinha uma tia a viver em Lisboa, era a tia Júlia, irmã do avô Zé, todos pensava que era a tia rica da família, no sentido contrário, estava ela, Julieta e a sua família, sendo a mais pobre.
Quando em algumas situações difíceis de resolver, era a essa tia que recorriam, pedindo alguma coisa, para superar assim as sua aflições, pelo menos em tempos já passados.
Mas naquele ano não era esse o caso, elas tinham uma casa pequena e pobre mas, tinham também um grande pomar de laranjeiras, e tangerineiras, Julieta lembrou-se de ir mandar uma alcofa de hortaliças, laranjas, e tangerinas á tia Júlia, porque tinha fartura.

Ao lembrar-se desse agrado, fazia também lembrar que continuava ali, e com cinco filhas para criar, escreveu a carta de Natal desejando Boas Festas, e dizendo para irem levantar a alcofa á garagem do Claras.
Como a tia Júlia era uma senhora viúva, havia largos anos que vivia sozinha, o seu filho vivia longe dela, e ao agradecer a lembrança lembrou isso também, as coisas que seriam demais para ela, não deixando de mandar na carta 3oo escudos para Julieta comprar roupas para as miúdas.
E com certeza também, encontrou com quem dividir as frutas e hortaliças, com alguém que comesse mais do que ela, e assim continuava a fazer outra boa acção, do outro lado com espírito de Natal.
Com os 300 escudos, Dalila e a mãe, foram a Santarém compramos tecidos e lãs de várias corres, com aquele dinheiro já compravam muita coisa, elas quando trabalhavam só ganhavam dezoito escudos por dia, chegava para comer mas para comprar roupas já era mais difícil.

PREPARAÇÃO DO NATAL


Dalila já ia fazer em Janeiro catorze anos, já tinha andado uns meses a aprender costura, para além do que já tinha aprendido com a avó Joaquina que tinha sido costureira na aldeia.
Mas a avó naquela altura já só fazia alguma coisa para casa, e as rendas para todos os lençóis, mesmo com carrinhos de linhas da costura, porque era da mais barata, e era uma maneira de estar entretida.


Julieta também sabia de costura, e todas sabiam tricotar para fazerem os casacos e camisolas novas, assim como as saias, e vestidos, com os tecidos comprados, estavam todas felizes por irem fazer roupas novas.
Os casacos foram escolhidos os modelos muito simples, eram tricotados á mão com dois fios de lã, de duas cores diferentes mas trabalhadas juntas, faziam assim um efeito de trabalho mesclado muito engraçado, os vestidos ou saias para as irmãs mais pequenas eram rodados, com franzidos, pregas, ou machos.
Mas para Dalila, como já se considerava uma grande mulher, e já tinha os seus pretendentes a namorados, já ia ao baile, e já tinha pares para dançar toda a noite, resolveu fazer uma saia justa, de fazenda rosa velho, fez uma camisola em amarelo-torrado, toda tricotada por ela, para vestir com essa saia.


Tinham de trabalhar rapidamente, o Natal estava há porta, como se costumava dizer na aldeia, o que significava faltar poucos dias, o tempo estava péssimo, muito frio, muito nevoeiro serrado, mas era o tempo de apanhar a azeitona, e não podia deixar-se estragar, fosse qual fosse o tempo, o trabalho continuava, se chovesse a potes é que iam para casa, já todas molhadas, como os pintainhos desabrigados.


Por isso o tempo para as costuras, ou malhas era reduzido, e muitas vezes só feito de noite ao serão, e como não havia televisão, nem mais nada com que se entretecem, faziam malhas, rendas e bordados, ao som da rádio, com os folhetins da Emissora Nacional.
Todas as pessoas faziam um pouco de serão, há lareira ou braseira, para não ir muito sedo dormir, e a noite não parecer assim tão grande, de noite se faziam as costuras, malhas, e os enxovais completos.
Era por isso que em vésperas do Natal, os casacos e camisolas que tinham sido tricotados nesse ambiente de fumo, no fim de feitos, tinham de ser lavados.
Assim se fez, ninguém podia ir estriar um casaco novo em dia de Natal, a cheirar a fumo, ou amarelo, do mesmo para ir á missa.


Como não havia máquinas de lavar e secar roupa, também não tinham alternativa, secar em casa era o mesmo que não ter lavado, então tinha de se pendurar para secar, nos arames de estender a roupa que eram na rua.
Ainda que, se pendurassem debaixo de um alpendre, que havia na saída da porta da cozinha, com aquela situação atmosférica era o mesmo que na rua.
Não se sabe quantos graus, de temperatura estariam, nem era de certeza preocupação saber, dois dias antes do dia de Natal, as malhas foram lavadas e estendidas, passaram as primeiras vinte e quatro horas e, continuavam, precisamente na mesma, encharcados, ou talvez pior.

A NOITE DE NATAL


Chegou finalmente a véspera do Natal, nesse dia era o dia dos preparativos para a grande noite, e por conseguinte, para o grande dia, limpezas, o comprar de uns quilos de farinha para fazer os coscorões, o azeite para os fritar já, teria sido apanhada a azeitona, e trocada no lagar pelo azeite, não só para fazer os fritos das festas natalícias mas também, para gastar no dia-a-dia, na confecção da alimentação.


A primeira coisa a fazer para a época natalícia, eram as broas, faziam sempre uma semana antes, cada mãe de família tinha as suas receitas, muitas vezes ciosas delas, e não gostavam de dizer, gostavam que fossem únicas a ter a sua especialidade.
Compravam-se mais um quilo de açúcar, e canela para polvilhar os fritos, também para mais algum mimo, matava-se um bico de criação, que seria um galo ou galinha grande, da capoeira, criada apenas com, os restos de alimentos de casa ou legumes da horta.


A véspera de Natal era muito importante e tradicional, dentro das possibilidades de cada família e, a de Dalila sendo pobre seguia a tradição, comendo as couves portuguesas, ou de sete semanas, como lhe chamavam na aldeia, criadas e cortadas na horta, com batatas e o respectivo bacalhau, que nessa época ainda fazia parte da alimentação dos pobres.


A ceia era cozida e comida logo á hora habitual, como nos outros dias, a seguir ia tratar-se de amaçar os fritos, eram amassados no mínimo três quilos de farinha dentro de um alguidar de barro vidrado, despejada a farinha no alguidar, procedia-se há colocação dos ingredientes de tempero para que ficassem gostosos.


Dalila já tinha aprendido com a mãe a tempera-los, começava por pôr, meia mão de sal, “que na aldeia se dizia, meia macheia de sal” o mesmo que se colocava para meio alqueire de pão, alguns ovos de acordo com os que havia para gastar, sumo de laranja, um pouco de fermento em pó, um pouco de vinho branco, e um pouco de aguardente, raspa de casca e sumo de laranja.


Envolvia-se todos os ingredientes, começando por amassar juntando pouco a pouco água fervida com limão, continuando a amassar bastante, até que a massa fique macia, e feita numa grande bola.
Trabalhar a massa até que ao cortar com uma faca ela, ficasse bem arrendada no corte, deixando descansar de seguida um pouco.
Entretanto preparava-se a fogueira na chaminé, com lenha previamente organizada, cortada e rachada em cavacas, para arder em lume certo.
O azeite em cima da fornalha, ou trempe, até a fervura, dentro de um tacho ou caçarola larga, e suficientemente fundo, para fritar e voltar os coscorões, que já estavam estendidos, recortilhados e, ao serem colocados puderem ir ao fundo e subir em fritura, empolados, e voltando-se facilmente.


Lavado o mesmo alguidar onde teriam amassado os coscorões, iam-se colocando em camadas, polvilhados com açúcar e canela.
Todas estas tarefas eram divididas entre a família, cada uma fazia a sua parte para que tudo corresse bem, até ao final da noite de consoada.
Acabado o trabalho, era hora de provar e sentir o prazer, de comer os coscorões acompanhados por uma boa caneca de café de mistura, ou um cacau quentinho.


Ao lado da fogueira e da trempe, já alguém teria posto uma grande cafeteira de barro, ou esmalte, a cafeteira do café, para ir aquecendo a água até á fervura, misturavam-se umas colheres de café de mistura, na hora certa, mexer, e ter logo uma caneca com água fria, que se deitava assim que o café subia e se preparava para entornar com a fervura.


Afastava-se do lume, para assentar, e era um regalo, o café da cafeteira na casa de Julieta para acompanhar os primeiros coscorões na noite de Natal.
Tudo acabava por ali cerca da meia-noite, depois de arrumar a cozinha, as crianças já tinham ido para a cama, deixando o sapatinho na chaminé, um ratinho de chocolate, saltava lá para dentro.
Como Dalila já trabalhava para o ratinho, e já não punha o sapatinho, era ela que se encarregava de colocar as prendas nos sapatinhos das manas pequenas, já podia até acrescentar a sua oferta, já tinha o seu dinheirito, mesmo que pouco.


O DIA DE NATAL


O resto da noite era bem dormida, de manhã ao levantar, voltavam ao mesmo cenário, atear o lume novamente, espreitava-se como iria estar o tempo, do dia 25 de Dezembro, mais café e coscorões, era dia de Natal, a missa às 11,30, no Mosteiro de Santa Maria de Almoster, e tinham de ir a pé, porque ficava a 3km, e o pai bem lhes dizia, “digam qual é o santo da vossa devoção que eu compro cá para casa” isto só para elas não irem á missa a Almoster.


A noite tinha sido muito gelada, estava tudo branquinho de tanta geada, a avó Joaquina dizia “que não se via um palmo na frente do nariz,” com tanto nevoeiro, um verdadeiro cenário natalício.
Mas o pior é que não havia casacos,… estavam congelados,… reparem e pensem bem,… casacos congelados para vestir e ir á missa no dia de Natal,… mas estavam pendurados no arame, mesmo debaixo do telheiro, não havia nada a fazer.


E a alegria era a mesma, a festa faziam as irmãs mais pequenas divertidas, não tinham missa era verdade, mas tinham os casacos congelados, intouriçados, esticados nos arames, e sempre que passavam por eles naquele dia, davam-lhe uma pancada, para sentir como estavam duros, tanto que pareciam um pau, os seus casaquinhos do dia de Natal.


Chegada a hora do almoço, que poderia ser” roupa velha” uma mistura dos restos, legumes cozidos e bacalhau às lascas da véspera, ou até grão cozido com bacalhau, não havia propriamente uma tradição no almoço de uma família pobre, já para o jantar, teriam sempre uma galinha para matar, fazer uma canja de galinha caseira, que era muito bom, a galinha corada, e como sobremesa poderia ser um arroz doce e os fritos.


No largo da aldeia, ou mais junto das tabernas, havia sempre um cepo do Natal a arder, antes os homens iam deitando o olho a algum, que pudessem ir buscar para a acender na noite de Natal, a maioria das vezes era até roubado, mas isso também dava pica ao pessoal, pelo menos aos mais jovens.


Iam com um macho e uma carroça, que era o transporte mais fácil de arranjar, mais tarde com algum tractor, um grupo de homens para conseguir carrega-lo, depois descarregavam no sítio escolhido e ateavam o fogo, para o aquecimento dos homens que estavam por ali.
Esse cepo era sempre o suficientemente grande para ficar a arder desde a noite de Natal, até à noite de Ano Novo, passada essa quadra já se deixava apagar, o importante era o calor da época natalícia.


O Natal era mesmo a festa da família, ninguém fazia mais nada de diversão, se havia uma pessoa vizinha ou amiga que não fizesse fritos de Natal, por algum condicionalismo, que até poderia ser a morte de algum familiar, já não faziam nada para festejar o Natal.
Mas a essa pessoa ou família não lhe faltaria nada, todas as vizinhas se lembrariam de lhe ir levar um pratinho do que tivessem feito na sua casa, sendo um dos bons costumes de solidariedade, daquela pequena aldeia.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPITULO

LÍDIA FRADE