segunda-feira, 12 de julho de 2010

AS COSTURAS DA AVÓ JOAQUINA

10º CAPITULO AS COSTURAS DA AVÓ JOAQUINA


Essa actividade foi algo que marcou também a vida de Dalila, a avó começou por lhe entregar as calças de cotim - dos trabalhos que fazia para os seus fregueses - para ela cortar as pontas de linhas, e assim passou a participar no trabalho de costura.

A avó era a costureira da terra, tinha os seus clientes certos, trabalhava mais para homens do que para mulheres, isto porque os homens estragavam mais as suas roupas nos trabalhos do campo, roupas que eram sempre as mesmas, usadas durante uma semana, e só lavadas de semana a semana.

Fazia calças e camisas novas ou coletes, quando era arranjos colocava folhas da frente ou meias folhas nas calças, ou folhas inteiras, ainda os fundilhos, as meias costas nas camisas, meias mangas ou colarinhos, muitas vezes eram aproveitadas apenas as fraldas das camisas, que, como andavam por dentro das calças, não estavam por isso expostas tanto ao sol como ao suor, e não estavam queimadas, ressequidas, ou rotas, e assim poupavam uns vinte e cinco centímetros de tecido, o que seria muito importante para quem tinha pouco dinheiro.

As mulheres também mandavam fazer, mas eram mais poupadas nas suas roupas, os tempos eram difíceis e os seus homens é que não podiam andar rotos a trabalhar.
A avó Joaquina ensinava-lhe a cortar as pontas de linhas das calças e coletes dos homens, foi assim que começou a gostar de costura, e Dalila de facto tinha mesmo jeito para tal tarefa, sabe que desde os sete ou oito anos que cosia com uma agulha os trapinhos da avó.

Certa vez a mãe fez uma camisa de riscas e quadrados em azul vermelho e branco para o pai, ela gostava muito do tecido, pediu à mãe para lhe cortar uma saia para a boneca, do resto do tecido, e a mãe cortou uma saia godés.
Ela coseu, fez bainha e cós, e ficou muito vaidosa do seu trabalho, a saia estava linda e pouco tempo depois a sua madrinha, que vivia na Amadora, foi visitá-las - o que era raro por viver na cidade - e Dalila foi logo buscar a saia da boneca, toda contente, para mostrar a sua obra à sua madrinha. Foi a primeira vez que alguém elogiou tanto o seu trabalho, ela ficou muito feliz e vaidosa com esse elogio.

Foram assim coisas lindas e simples que a marcaram, porque nunca esqueceu, assim como recorda que foi também a avó que a ensinou a casear, pois tudo isso era feito por elas, as máquinas desse tempo não faziam casas nas suas obras em tecido, como as de hoje.

COMO TRATAVAM DO GADO
Dos trabalhos que a família lhes mandava fazer, do que ela gostava muito era apanhar folha de cana para os burros e macho comerem. Mandavam, por exemplo, apanhar dez mãos cheias para cada animal, e assim era feito.


Puxavam as canas, começava-se por baixo, a desfolhar, e quando chegava ao fim da cana, tinha uma grande e apertada mão cheia de folhas, dava a volta com uma folha, entalava a ponta, e ficava atada - tudo isso tinha aprendido com a avó ou a mãe.
Depois era só ir contando as mãos, vezes os burros, fazer em molhos grandes, levar para o palheiro, e distribuir pelas manjedouras.

Já as ovelhas, essas comiam folhas de videiras. No fim da vindima, se elas não podiam entrar na vinha por haver alguma sementeira, como favas ou ervilhas que elas destruiriam, apanhava para cestos ou sacas, as parras, e levava para o curral. Era uma época em que ainda não tinham rebentado as ervas, se andavam nas terras pouco tinham de comer, e as parras eram um complemento alimentar do Outono.

Algumas vezes iam guardar as ovelhas e os perus para as terras do Sr. Coronel, onde também iam outros miúdos guardar o seu gado, e enquanto o gado pastava eles brincavam, uma das brincadeiras, para além de andar aos ninhos, era escorregar pela encosta abaixo.
Sentados nas pernadas dos piteirós ou nas folhas grandes das piteiras com os picos cortados, para não se picarem, deslizavam assim, e quando se gastavam tais suportes, por tanto rasparem o chão, arranjava-se mais, o material não faltava.

Prendiam algumas ovelhas mais velhas, para as outras não fugirem para longe, com cordas, nas cabeçadas, ou atando a corda a uma mão, e com uma estaca pregada no chão.
Se as ovelhas estavam prenhas, era normal, em fim do tempo ter mais cuidados, mas algumas vezes elas tinham as crias nas terras. Dalila chegava até a ajudar em alguns partos e, de volta para casa, os filhotes estando ainda muito fraquinhos, tinha de trazê-los ao colo, senão não aguentariam o caminho.

Quando as crias tinham dois dias a avó Joaquina cortava-lhe o rabo, isto às ovelhas, essa era operação que Dalila não gostava, mas se não havia mais ninguém por perto tinha de ser ela a segurar a borreguinha.
Atava-se os pés e mãos com um cordel, o rabo era posto por cima de um cepo de árvore onde se cortava a lenha, e a avó com uma machadita e um golpe certeiro, de uma só vez, cortava-lhe a cauda e lá ficava o bicharoco sem rabo.

Depois era tratado, desinfectado, e a avó punha-lhe cinza da fornalha - dizia que era para proteger - assim a cinza colava na ferida e não deixava que, por exemplo, as moscas pousassem e incomodassem a borreguinha, e repetia-o durante alguns dias até estar sarado.

Dalila achava que a borreguita sofria e, perguntava porque tinham de fazer aquele trabalho, a avó só dizia que era para ser diferente do carneiro, quando fosse grande, e comparava as raparigas, que também lhes furavam as orelhas e colocavam brincos para serem diferentes dos rapazes, e a diferença das ovelhas era o rabo.

A tarefa de guardar os perus era mais complicada, não podiam brincar muito, eles se não encontrassem comida andavam imenso, e se não estivessem atentas quando iam a olhar já não sabiam para onde tinham ido.
GA
As galinhas, os patos, ou os perus, tinham coisas muito especiais e particulares, como quando Julieta ou a avó Joaquina deitavam a postura de ovos para elas chocarem e nascerem as ninhadas, então as galinhas começavam ‘a falar a choco’, como dizia a avó, esse falar a choco era uma ‘voz’ mais grossa, e procuravam ficar aninhadas nos cestos onde punham os ovos, para os chocar.

Ficavam com uma espécie de febre, a avó escolhia os ovos com qualidade, das melhores galinhas, das mais bonitas, e galadas pelo galo bonito que sempre havia na capoeira, pois ela conhecia cada galinha e os ovos que tinham posto, e que nunca eram iguais, por isso a facilidade de escolher as melhores e mais bonitas.

A quantidade normal para uma galinha era de treze ovos, sempre número ímpar, mas a galinha depois não conseguia agasalhar debaixo de si mais que treze pintos, enquanto uma perua já levaria quinze ou mais, dependia do seu tamanho.

Quando havia trovoadas, e trovejava muito forte, a avó punha no cesto das galinhas chocas um ferro velho qualquer, dizia que era para os trovões não estragarem os ovos, senão os pintainhos morriam na casca antes do tempo previsto, as três semanas de incubação para o seu nascimento.
O rebentar do trovão fazia tremer tudo, e fazia mal aos ovos, mas se o ferro resolvia ou não o problema, Dalila não tem a certeza, ou talvez fosse apenas a crença da avó Joaquina.

O nascimento tinha um encanto enorme para Dalila quando chegava a hora ou o dia: eles começavam a picar a casca com o seu biquinho e, pouco a pouco, iam forçando até partirem. Depois, com os movimentos e a força iam tirando a cabeça para fora, ou por vezes eram elas, a avó ou a mãe, que ajudavam puxando para fora.

Se estavam muito tempo para furar a casca a avó dizia que tinham pouca força, então metia um pouco de aguardente na sua boca e depois, como se fosse um borrifador, borrifava os ovos todos dentro do cesto, e voltava a colocar a galinha em cima para os aquecer.

Tudo isto tinha um grande encanto na época para a criança que era Dalila, e gostava mesmo de participar no dia-a-dia familiar, e visto agora, a muita distância, o encanto está ainda todo nessas lindas recordações que guarda no seu coração, desses tempos e maneiras de viver que foram únicos.

Era com frequência também que as vizinhas, quando tinham alguma coelha e não possuíam coelho para as cobrir, irem pedir o coelho, que Julieta emprestava, ou então traziam elas as coelhas, e ficavam ali com o coelho um ou dois dias, e isso por vezes era o mais conveniente, para se resguardarem de doenças.
O mesmo acontecia igualmente com o carneiro da cobrição, que servia muitas vezes as ovelhas das vizinhas.
CONTINUA NO PROXIMO CAPITULO

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