segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A AMANTE NA OLIVEIRA


19º CAPITULO



A AMANTE NA OLIVEIRA

Como já todas as pessoas sabiam, Deodato mantinha uma amante desde há vários anos, que vivia perto de Santarém. Talvez por se terem zangado, pois dizia-se que era frequente ele bater-lhe e até cortar-lhe o cabelo nas brigas, certo é que ela resolveu ir procurá-lo na Ponte do Celeiro.

Era Inverno, veio de noite, num táxi, havia clientes na taberna e, na frente da porta da taberna, havia uma oliveira. Ela subiu para cima da oliveira, sítio de onde poderia vê-lo ao balcão, com os clientes, esperando assim um momento para lhe enviar o recado de que estava ali.

Vendo um cliente chegar ou sair, chamou lá do pé da oliveira onde estava empoleirada, para que lhe levassem o recado, tinha de falar com ele. Acabaria por falar mas ele mandou-a de volta para Santarém.
Parece que um cliente por ali, com transporte, fez a gentileza de a levar de novo para Santarém, e Deodato não estaria preocupado de modo algum como ela lá chegaria, estando a dez quilómetros de distância.

Mas foi por estes acontecimentos e outros mais que, Julieta, ali e naquela época, tentou por vários meios por termo à vida. As filhas estavam com a avó Joaquina em casa e pouco sabiam, só quando ele a levava para o hospital, no outro dia, é que elas ficavam a saber.
Como uma vez, em que ele não aparecia, e a deixara ali sozinha na taberna, de noite, sem vizinhos, ou na beira da estrada. Uma primeira vez bebeu petróleo, em desespero de causa, e foi ele mesmo que a enviou para o hospital quando arriba já de manhã e a encontra desmaiada.

Numa segunda, já tentou com algo mais forte, bebeu ácido, e de novo, pelo menos ele, chegou a tempo de chamar a ambulância, e lá foi mais uma lavagem ao estômago que a conseguiu safar.
Mais algum tempo, e foi por outro meio: a avó Joaquina já estava a viver com as netas numa casa comprada por Deodato, no Cabeço de Almodelim. A fazenda do avô Zé, também continuava lá, até, mas aí só faziam a horta, que era preciso regar.

Ele, Deodato, queria ir para Santarém, tinham discutido, e Julieta disse que ia regar a horta, foi lá para baixo, para a fazenda, e foi de facto regar, mas mais uma vez achou que não queria viver assim. Nem as filhas a animavam. Quando acabou de regar, meteu-se dentro de casa, na cozinha da avó Joaquina, fechou a porta por dentro, subiu a uma escada de madeira, atou dois baraços um ao outro – ‘era só o que por lá havia’ - atou no barrote, atou no pescoço, e tirou os pés do apoio.

Dalila veio de casa ter com a mãe à taberna para buscar uma quarta de água, e quando chegou lá perguntou ao pai por ela, que lhe disse ‘vai lá a baixo à fazenda procurá-la, disse que ia regar, nunca mais veio’.
Dalila correu estrada abaixo, chegou lá, chamou, voltou a chamar aflita pela mãe, mas nada, não respondia, a horta estava regada, mas dela não sabia, as portas estavam fechadas.

Mas Dalila já esperava tudo, já estava preparada para tudo nos seus doze anos, já era muito madura, conseguiu abrir uma janela da casa da avó, saltou pela janela para dentro, quando chegou à cozinha, lá estava ela, caída no chão, a boca cheia de espuma branca, o baraço não aguentou, partiu-se, e ela caiu.

Dalila pensou que a mãe estava morta, saiu dali a gritar, gritou sem parar, correu estrada acima, sempre a gritar chegou à taberna, a gritar chamou todos os nomes que achou por bem chamar ao pai, gritou-lhe que ela estava morta por causa dele, continuou a gritar pela estrada do Cabeço, ia dizer à avó, às irmãs.

Pelo caminho ao ouvi-la chorar e gritar apareceu um vizinho, o Artur, a perguntar-lhe o que tinha, mas Dalila não lhe disse, só gritava, o Artur seguiu-a e até a Sebastiana, vizinha também, brigou com ele a perguntar ‘ó Artur, o que estás a fazer à rapariga?’ pensando que era ele que lhe estava a fazer algum mal, mas não, ela só corria e gritava.

As vizinhas seguiram todas para tentar descobrir porque gritava, até que todos souberam, a avó soube, foram todos até à fazenda, mas Dalila não foi, não podia ver o pai, quando lá chegaram já Deodato tinha mandado alguém chamar a ambulância, e mais uma vez Julieta foi para o hospital.
Julieta ainda desta se livrou, mas teria de passar por muitas mais. Neste dia os baraços não aguentaram o peso do corpo e partiram, esteve desmaiada, mas tudo passou, e aguentou. Pelo menos para viver ainda mais meio século.

CONTINUA NO PROXIMO CAPITULO

Sem comentários: