sábado, 25 de junho de 2011

OS TRABALHOS DO ARROZ



TRABALHOS DO ARROZ

29º CAPITULO

Como é de calcular, Dalila, antes de tudo o mais, trabalhava. E se na quinta dos Faias tinha começado a trabalhar no tomate, depois estivera nas vindimas, na azeitona, e apanha das vides quando chegou a Primavera, e nas mondas do trigo, e dar água à cura, de seguida Dalila iria trabalhar no plantio do arroz e, a seguir, nas mondas do arroz.

Julieta não podia fazer os trabalhos do arroz, tinha uma perna com um problema desde criança que poderia agravar-se com um simples arranhão, e plantar arroz era andar dentro de água, dentro de lama, até quase ao joelho.

Depois Dalila também estava bem acompanhada com várias mulheres da Atalaia, que já estavam habituadas, e foram elas que ensinaram Dalila, e no meio delas foi fácil aprender. Plantar arroz era engraçado, chegava atado em molhinhos pequenos, molhos que uma mulher pudesse agarrar só com uma mão, depois separava três ou quatro pés de plantas e colocava na lama, sempre recuando, umas ao lado das outras, suficientes para preencher a largura do canteiro.


FOI POR AQUI NESTES PAÚIS,,,,  QUE FAZEM PARTE DESTA HISTÓRIA!!!



Ficava assim um trabalho muito certinho, as plantas com parte da rama fora de água, a outra metade dentro da terra e da água, e como era feito a recuar, quando chegavam ao fim estava o canteiro lindo.
Quando acabavam de plantar o paul todo já o que havia sido plantado primeiro tinha crescido e, com ele, as ervas daninhas. Todas as ervas que crescessem facilmente dentro de água se desenvolviam, e aí era preciso arrancá-las. Chegavam assim as mondas, e continuava a ser esse um trabalho divertido para uma moça nova, andar naquele trabalho, era chapinhar um dia inteiro dentro de lama mas não era difícil, depois, bom... havia uma maneira de irem para casa cedo, pelo meio da tarde.
A PONTE QUE DIVIDE A FREGUESIA DE ALMOSTER, POVOA DA ISENTA, E S. NICOLAU SANTARÉM!!!

O grupo de mulheres a que pertencia Dalila fazia todos os dias um acordo verbal, ou talvez mais um desafio. O capataz percorria uma certa área de canteiros de arroz, aquilo que achava razoável para o trabalho de um determinado grupo de mulheres até à noite. A chefe mais sabida do grupo, ou mais conhecedora do trabalho, aceitava ou discutia a empreitada com o capataz, e metiam todas mãos ao trabalho, com garra, e pelas  quatro horas da tarde, mais ou menos, estavam perto de acabar o seu dia de trabalho e voltar para casa, com todo o trabalho acordado já executado.

Por essa época começou a ser implantada uma novidade nas sementeiras do arroz, a sementeira directa já nos canteiros. Começavam a fazer a título experimental, tudo era feito com outra dimensão, e por isso mesmo não podia ser em canteiros como os de plantio manual. A monda também passaria a um processo químico, e todos os outros trabalhos foram sendo alterados e substituídos, o trabalho manual trocado pelo de máquinas.
SEARA DE ARROZ EM MATURAÇÃO!!!

Triste era, nesta época, em tempo de cheias, se chovia muito cedo e os pauis enchiam, sem que os arrozeiros tivessem tempo para retirar o arroz, por não estar ainda devidamente maduro e, por isso mesmo, capaz de ceifar.

Enquanto os trabalhos eram feitos manualmente, era complicado: os ranchos iam ceifando o arroz que ficava espalhado por cima do restolho e, logo a seguir, era atado em molhos, devidamente seco para se retirar do paul e chegá-lo às máquinas debulhadoras, que estavam ali instaladas no paul para esse fim.

AS CHEIAS
Havia anos de muita chuva e antes desses trabalhos concluídos chegavam as cheias, e então era só trabalhar, noite e dia, tentando retirar o mais possível. Se o tempo não chegava eram retiradas as máquinas e o arroz era abandonado.

Os donos choravam, o paul enchia, e na cheia perdia-se tudo, podia-se ver, deslizando, levados pelas águas, os molhos do arroz, boiando sem mais recuperação, enquanto outro ainda tinha ficado na terra por ceifar.
AS CHEIAS DO RIBATEJO!!!

Aquela era a grande cultura, a mais forte, de alguns agricultores da Ponte do Celeiro, e o seu investimento nesta cultura era tal que chegavam a fazer empréstimos bancários para a realizar, apenas um tiro no escuro, sem certeza de nada para o seu pagamento, e assim se empenhavam bens à banca ou a usurários independentes.

Assim se trabalhava com amor, assim se destruíam vidas na tentativa de uma vida melhor, era apenas a luta pela vida, sem direitos a subsídios nem reclamações, apenas acreditando na sorte ou aceitando a desgraça.

O único proveito que podiam retirar das cheias era a renovação dos terrenos pois que, depois da água secar, ficava tudo o que elas tinham trazido enterrado nas lamas, e quando as terras eram trabalhadas de novo, se envolvia e se tornava em fertilizante.

Depois houve a chegada das fábricas de tomate e uma viragem de parte dessas terras a cultivo de tomate, e os donos já tomavam a opção de fazerem arrendamento, para a agricultura de tomate ou até de meloal.
PAUL DAS SALGADAS,,, ENTRE O CASAL DO PAUL E SECORIO!!!

Dalila foi trabalhar com Julieta e um grupo de mulheres para os pauis das Salgadas, para um patrão, o Senhor Pisco, que fazia cultivo de tomate para as fábricas, e de melão, para o mercado.

Faziam ali as suas campanhas de trabalho durante seis meses, eram desde o plantar até ao acabar de todas as cearas, um trabalho certo mas duro, já trabalhavam oito horas, e tudo isso, e Dalila fazia-o ‘com uma perna às costas’ como diria a sua avó.

Desde plantar os tomateiros, sachar, apanhar, depois os meloeiros, semear, sachar, e se fazia muito calor – e se fazia! - eram tapados com palha de arroz para não ficarem queimados do sol - ou ‘chapados’, como na linguagem agrícola se dizia.


Depois, havia o apanhar, no início eram homens, experientes, conhecedores do produto - tinha de ser bom e capaz de ir para o mercado - e mais tarde já poderiam ser as mulheres, menos experientes, pois já estava tudo pronto para apanhar. Eram retirados de dentro do meloal em sacas, às costas, das mulheres, até mais não poderem levar, para a serventia onde passava o tractor, ou levados em linha de pessoas que atiravam pelo ar uns aos outros, sem nunca deixar cair, até ao carregar ou descarregar.

VÁRIAS ESPÉCIES DE MELÃO

A melancia também era semeada e tratada como o melão, apenas em menos quantidade, isto por ser uma linha de mercado mais curto e menos rentável.

Também cultivavam feijão para secar, Julieta comprava uma saca grande de feijoca ‘Santa Catarina’ - era mais cara mas todos gostavam - e um ano comprou também metade de feijão-frade, por ser mais barato, mas que poucos lá em casa gostavam.

Todo este feijão era para comer no Inverno e de todo o jeito se cozinhava, quando não havia trabalho todos tinham de comer, e Julieta tinha oito pessoas para alimentar em casa, ela, o marido, cinco filhas e a avó Joaquina.

Desde que houvessem legumes secos, hortaliça na horta, algum azeite e batatas, ninguém se queixava, havia sempre que comer, mesmo que não tivessem trabalho, e já tudo se arranjava.

O CASACO AZUL
Dalila precisava de um casaco, mas comprar um feito, nem pensar! Seria muito caro e como ela é que fazia todas as costuras lá em casa, e não só, Julieta e a filha resolveram comprar um corte de fazenda, de cor azul forte, para fazer o ‘casaco para Domingo’, como se dizia.

Era apenas um casaco para sair ou para dias de festas, mas no fim da compra feita surgiu um problema: Dalila sabia fazer muitas coisas, muitas costuras, mas ir cortar um casaco de fazenda era uma grande responsabilidade, tanto mais que ela queria um casaco de que se orgulhasse de vestir, até gostava muito da cor mas… não se decidia a cortar o casaco. Tinha medo de estragar a fazenda e o casaco não ficar bonito, era difícil, ela antes queria que fosse a mãe a cortar, mas esta disse que não, que ela é que tinha de o fazer.

Dalila só tinha dezasseis anos e pouca segurança, ainda própria da idade, esperou mais uns dias e nada de cortar o casaco, e então Julieta deu-lhe um ultimato: ou ela cortava e fazia o casaco ou então podia esquecer, ia a mãe cortá-lo mas seria para a Amália.

Viu-se assim encostada à parede e teve de decidir. Foi pedir o casaco à prima Lu para seguir o modelo, tirou as medidas, altura de corpo, altura de manga, e viu que o resto que sobrava da manga tinha de dar para a gola, e verificou os forros de tafetá, entretelas, e tudo o mais que ela até sabia fazer.

Seguiu em tudo o casaco da prima, que era bege e comprido, enquanto o dela era muito mais bonito em cor e seria curto, só tinha mais dificuldades em fazer a gola, porque quanto aos bolsos fazia-os de chapa, era fácil resolver o assunto, a gola, essa, só podia fazer de um jeito, igual também ao da prima.

Fez um molde da gola da prima, uma gola que era redonda, caída na volta do decote. Não gostava muito daquele modelo mas valia mais ficar assim, mesmo que até não fosse dos últimos modelos da moda, agora, só o que interessava, era que ficasse capaz de se ver.

E até ficou bom, o casaco, e sempre o vestiu com muito orgulho, por gostar da cor, e porque era a sua obra máxima, com uns botões metalizados, estava óptimo e muito confortável, e foi este o seu único casaco de fazenda até se casar.

Tal como o casaco, quase tudo na vida de Dalila, era de origem ‘autodidacta’, ela era uma pessoa muito intuitiva, analítica, assim aprendia com facilidade tudo o que via fazer, e se propunha fazer ou criar, e foi assim também que aprendeu a bordar à máquina. Via as primas a bordar, elas sim, tinham aprendido com uma mestra, mas Dalila tinha de trabalhar no campo, não tinha tempo para ir aprender, nem os pais lhe podiam proporcional essa aprendizagem.

Nada disso a inibiu de procurar resolver o problema. Foi a Santarém, comprou um bastidor, linhas, cordão e tesoura, o mais prioritário para poder começar a aprender, e comprou uma peça de adaptação para a máquina de costura, o que lhe resolvia o problema, por ser uma máquina já muito antiga. Não disse nada a ninguém, nem pediu à prima para lhe ensinar, não seria necessário, já sabia como se fazia de tanto ver, era só experimentar e praticar, e se bem o pensou melhor o fez, e conseguiu aprender o mais básico.

A primeira peça que fez, e que merecia já relevo, para o seu enxoval, foi uma toalha de mesa branca, toda bordada a matiz, com três tons de azul apenas, era o mais fácil, e em termos de investimento o que saía mais barato, só comprou três carrinhos de linhas de bordar, e tinha trabalho para imenso tempo.

Claro que a toalha foi apenas o início, atrás foi bordando todo o seu enxoval, o de Amália e até o de outras pessoas, como sempre fez, sem levar dinheiro, sem cobrar, e a troco de nada.

continua no proximo capitulo

2 comentários:

Flor de Jasmim disse...

Lidia querida
Amei demais ler e reler este capitulo!!!
Sabes que como Dalila também eu andei na monda do arroz com água quase pelo pescoço devido aos meus 8 aninhos, aos 16 já era casada, além de não casar grávida ainda fui mãe aos 16 anos.
Aguardo o próximo capitulo.
Beijinho bom fim de semana

Lídia disse...

Querida Adélia!!!

É muito bom saber que ao ler o que escrevo... alguém perto ou longe está do outro lado... com as mesmas experiências, saberes e entenderes.

Eu casei com dezoito,apenas porque...deixava de fazer e trabalhar para o meu pai...sem direito a mais nada que não fosse alimentação.Mas hoje estamos aqui... e muitas etapas conseguimos vencer para isso!!!
Aja saúde, as experiências só nos valorizam!!!

1 beijo Adélia tudo de bom!!!
Lídia