sábado, 8 de maio de 2010

4º CAPITULO A CRIAÇÃO NA FAZENDA

4º CAPITULO


A CRIAÇÃO

Ao lado virado já para a horta, e descendo mais um pouco, ficavam os palheiros do gado, um das ovelhas, e havia várias, e entre elas um carneiro de cobrição.
Era uma garantia familiar, um mealheiro, como a avó lhe chamava: quando havia uma aflição de dinheiro, vendia-se uma ovelha, um carneiro, ou simplesmente as crias, tal como os porcos que se criavam em casa. Se o dinheiro fazia mais falta vendia-se o porco e não havia matança.

Deodato, marido de Julieta, pai de Dalila, gostava muito de comprar porcos ruivos para criar, era uma raça do Alentejo e que deve ser a mesma raça, praticamente, do actual porco preto Alentejano.
Para criar a parir, a escolha já era de recos brancos ou alguns malhadinhos, dependia dos cruzamentos dos pais. Quando chegava a hora das porcas parirem Julieta ia dormir para dentro da pocilga, devidamente limpa e arranjada, esperando a hora do nascimento, para que a porca não matasse alguma cria ao deitar-se.

Uma história se passou num dia, relacionada com os porcos: Julieta criou uma ninhada de porcos desde o nascimento, até quando já estavam perto dos dois ou três meses, e se vendiam. Deodato, que por sua vez é que os vendia, resolveu vender ou doar um desses animais a uma sua amiga mais íntima, que vivia lá na terra.

Mas certo dia alguém foi avisar Julieta que a dita senhora estaria a fazer a sua mudança de morada, para a terra vizinha da Povoa da Isenta, e com ela levaria de certo o tal porquinho que Deodato supostamente lhe teria vendido mas que ela nunca tinha pago.
Coitado do porquito, já estava crescidinho!... mas tinha de fazer a caminhada a pé para a nova casa, não havia transporte para o levar, tinha de ir acompanhado pela dita dona a andar quatro quilómetros. Julieta fora informada de que ela ia com o porco a pé, meteu-se estrada fora e foi sair-lhe ao caminho.

Sem outra intenção que não fosse receber o seu dinheiro referente ao porco, que nunca havia sido pago, ou então o porco só sairia dali com a Julieta - dinheiro não havia, apenas a razão e o direito que as duas reclamavam.
Sendo assim, passaram a agir, no meio de insultos, agressões, puxões de cabelos, até se descabelarem todas, mas o porco ficou, voltou para a posse de Julieta, e quando Deodato teve conhecimento do caso só se ria, pelo caricato das cenas contadas e com todo o seu ar de gozo.

Voltando à casa, aos anexos, atentemos agora nos palheiros que eram do macho, e dos burros… Deodato gostava muito de burros, e comprava alguns grandes, que Julieta detestava, dizia ela que eram espanhóis, eram grandes, com força, mas não tinham genica nenhuma, eram moles no trabalho, nada parecidos com os de raça portuguesa, que eram pequenos mas com despacho.

Do lado de trás da casa eram as capoeiras. Todos os palheiros e capoeiras eram construídos em adobes, que eram feitos de terra cavada, amassada com água e alguma palha para poder fazer melhor a ligação e não se desmanchar tão facilmente, pois não eram cozidos.

Havia um espaço bem chegado aos palheiros onde Julieta preparava os seus adobes, depois da terra cavada acarretava baldes de água do tanque, despejava lá para dentro, até amolecer a terra, e depois saltavam lá para dentro, amassavam com os pés, como se pisassem uvas.

Na medida em que a terra ficava bem envolvida com a água Julieta ia-lhes juntando um pouco de fenos, depois de bem envolvida eram cheias uma espécie de formas, também elas preparadas por Julieta e feitas de pedaços de madeira.
Cheias as formas eram deixadas ao sol a secar, só depois, desenformados e bem secos os conteúdos, com eles Julieta fazias as capoeiras e remendava os palheiros. Este era um trabalho que Dalila gostava de ajudar, principalmente o de pisar a lama.

As galinhas, galos, patos, e perus, todas estas aves, assim como todo o outro gado, eram apenas criados com tudo o que existia na fazenda.
Desde fruta a hortaliças, cereais, palhas, tudo mesmo, só uma coisa a Julieta comprava na loja, era as sêmeas ou farelos que poderiam juntar na palhada. Esta obviamente era feita de palha e sêmea, para o gado de quatro patas, quando era altura de escassear todo o resto. Ou ainda quando uma fêmea paria e tinha de amamentar, por vezes teria assim um tratamento especial. Sêmeas ainda para as aves comerem, amassadas com couves migadas.

Havia uma qualidade de sêmeas feitas de farinha de alfarroba, Dalila adorava que a mãe comprasse daquelas sêmeas, ela ia escolher os pedacinhos de alfarroba mais grossos para comer, era doce e gostosa e, ela gostava muito do seu sabor.
Aos pintainhos quando nasciam e ainda não sabiam comer, Julieta comprava-lhes arroz mais barato para eles comerem, depois iam-se habituando pouco a pouco à comida dos grandes, depenicando aqui e ali.

Os patinhos acabados de nascer comiam sêmeas amassadas, depois iam comendo desde alguma fruta muito madura, até caracóis esmagados, que eles adoravam, isto enquanto eram pequenos.
Já para os perus era comida diferente, quando nasciam coziam-se verduras e misturava-se farinha de milho, fazia-se uma bola com essa mistura, e eles vinham comer à mão depenicando essa bola, até encher o papo, e era um trabalho que Dalila adorava fazer, sentir os biquinhos a depenicar e comer na sua mão.

Depois todas essas aves eram também transformadas em dinheiro, tal como os ovos, quando chegavam as necessidades.

Na frente de toda a casa havia um jardim que Julieta, ajudada pelas filhas, e até a avó Joaquina, faziam e cuidavam muito bem.
Era aí que muitos malmequeres brancos, grandes, lindos, caíam como que em cascata pelos valados e preenchiam todas aquelas inclinações de terrenos, era lindíssimo esse jardim. Rosas, cravos, lírios e outras flores, todos os dias eram regadas, com regadores ou baldes, pois Julieta encarregava as filhas de regar ao fim do dia, quando já tinham idade para aguentarem com as vasilhas da água.

Logo ao descer a caminho da horta havia uma árvore que Dalila adorava, mas nem era uma árvore de fruta, nada disso, dava fruto mas não para comer, só a avó Joaquina sabia para que eram bons, e ela fazia chá das flores secas, e até das bagas.

Era um grande sabugueiro, uma árvore bonita, redonda, sempre podada, desde as suas flores lindíssimas, branquinhas, e quando Dalila lhes pegava nos pés e as virava, pareciam umas sombrinhas de senhora feitas de renda.
Depois as flores iam caindo, dando lugar ao aparecimento dos frutos, nasciam e logo iam ficando vermelhos e, pouco a pouco, cada vez mais escuros, até parecerem pretos, totalmente maduros, isto era um ciclo inesquecível para Dalila. Tal como está descrito, num poema que lhe foi dedicado.
Esse poema está colocado na entrada anterior, sobre o sabugueiro.


O MEU SABUGUEIRO

Meu companheiro
De flores mimosas
Chapéu de aguaceiro
Mais belo que rosas.
De branco vestido
A tua ramada
Belo véu de noiva
De cauda bordada.
Quando já maduros
Que teus frutos criaste
Contas de rosário
Que a Deus enviaste.
De negro vestido
Em luto tão puro
O meu sabugueiro
De fruto maduro.
Amigo de outrora
Quando era criança
Perpetuo agora
A tua lembrança.



LÍDIA FRADE
em a Fazenda onde veio a luz ao Mundo

CONTINUA NO PROXIMO CAPITULO

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