CAPITULO 15º
DALILA NA 4ª CLASSE
Dalila andava na escola, já na quarta classe, na altura, já tinha três anos de escola na Ponte do Celeiro, e uma das coisas que muito gostava era, quando ia no caminho de regresso a casa, por vezes, se era preciso, a paragem na mercearia.
Era onde se podiam encontrar as pessoas do lugar, pelo menos os homens que iam para a taberna, e por lá passava sempre, algum tempo, um senhor que se destacava, já de idade, que tinha andado na segunda guerra e continuava a contar as suas histórias de guerra, António Bolas era esse o seu nome, e era o marido da senhora Francisca, a quem todas as pessoas chamavam a Faíscas.
Tinham uma filha muito bonita, sempre muito bem vestida, muito recatada, e de tão recatada que era, como filha de um militar da guerra, e moça que nunca chegou a casar, morreu solteira e com a mania de que era curandeira, uma enviada de Deus.
Dalila adorava ouvir as histórias do senhor Bolas, pela sua maneira de falar, pela entoação que dava às palavras, pela sua figura que impunha respeito. Assim, ficava caladinha a escutar sem dizer nada a ninguém, apenas escutando, ninguém pensaria que ela se interessava pelas suas conversas, mas foi com ele que aprendeu como deveria programar um relógio despertador, e Dalila nem tinha um despertador na sua casa.
E todos os homens que lhe escutavam as conversas também não teriam, era tudo gente pobre, ele falava muito bem e todos lhe prestavam atenção. Explicava para os que o ouviam, que a vida dele era toda programada pelo despertador, contava com quanto tempo precisava para cada coisa que tinha de fazer, contava os tempos e marcava o despertador, assim nunca andava atrasado, era uma pessoa especial naquela pequena aldeia.
*
Vamos voltar à escola de novo, escola onde a professora fazia distinção entre os alunos, para ela os pobres eram isso mesmo, pobres, e os ricos teriam de ser diferentes. E sendo assim, os pobres faziam as provas de avaliação numa folha de trinta e cinco linhas, sempre cuidadosamente limpa, sem ser rasurada, para melhor merecer uma boa avaliação.
Agora, os mais ricos, tinham direito a fazer as provas de avaliação em provas especiais, onde só teriam de colocar os resultados ou dados pessoais, e que compravam, recomendados pela professora.
Isso, quando só havia duas crianças na escola que o podiam fazer, o filho do Sr. Afoito a quem tinha saído a sorte grande, e a filha dos caseiros da Quinta do senhor Cordeiro, porque vivia com pessoas ricas, e também merecia esse estatuto.
Quando faziam a representação do presépio na escola, ou outra referente a alguma época, era sempre a menina rica que fazia de Nossa Senhora ou outro papel principal e isto não passava despercebido a Dalila, mas que podia ela fazer? Só ver e fazer o que lhe destinassem para ela.
Certo dia Dalila não havia estudado as capitais e moedas europeias, a professora estava a fazer as perguntas, e Dalila como não estava preparada só ia acertando alguma que ia espreitando, no livro que estava na secretária.
Logo que a professora deu pelo facto não esteve com meias medidas, descalçou o sapato de borracha que tinha calçado e bateu-lhe por todo o lado com o sapato, nem foi com a régua como de costume, foi de sapatada.
Dalila gritou como seria óbvio, e gritou tanto ou tão pouco que a sua tia Ermelinda, que vivia na casa mais próxima da escola, ouviu os gritos, conheceu e apercebeu-se que era a sobrinha, foi lá a correr à escola, disse o que tinha a dizer, e levou-a para casa dela.
Já a sua irmã Amália era diferente, encontrava sempre uma maneira de dar a volta à professora, por exemplo, não fazia os trabalhos de casa, a professora perguntava a razão, e então ela dizia que se tinha esquecido do caderno em casa. ‘Vais a casa buscar o caderno e já, vais num pé e vens no outro’ dizia-lhe a professora. Ficava ainda longe mas ela ia lá. Sabia no entanto que não tinha lá nada e em casa dizia que a professora tinha pedido para ela lhe ir buscar um ramo de flores, a mãe ou a avó ajudavam a apanhar as flores, do melhor que havia, e lá voltava ela com um grande ramo.
Chegada à escola Amália dizia: ‘minha Senhora, a minha mãe mandou-lhe este ramo de flores e disse que as minhas irmãs rasgaram o caderno’ - e assim se livrava de levar umas belas reguadas.
Dalila era uma rapariga saudável mas apercebeu-se que na sua escola, os colegas, de vez em quando, um surgia com dor de garganta e ficava em casa, outro tinha constipação e faltava. Já ela, nunca tinha uma razão para faltar à escola mas, um dia, por acaso… alguma coisa comeu, que lhe provocou uma diarreia, e por esse motivo faltou à escola mas apenas um dia!
Quando voltou no outro dia contou à professora porque tinha faltado, mas a resposta dela foi de gozo diante de todos os colegas, mostrando que não acreditava, fazendo com que os colegas gozassem com ela.
Dalila ficou triste, logo ela que nunca faltava à escola, ela que nunca arranjava desculpas para faltas, não acreditaram nela, e ficou muito magoada.
Uma boa recordação na escola veio do tempo das cheias... os pauis, ficavam todos alagados, as águas das cheias subiam ali, na Ponte do Celeiro, vários metros, acima do normal.
E aquela era uma das maiores cheias lembradas pelos residentes, que colocavam agora paus espetados a marcar a beira da água, chamavam-lhes uma baliza, sempre que por lá iam para ver, assim iam sempre verificando se o nível estava a subir ou a descer.
Tinha havido na ponte um acidente - ainda as águas estavam mais baixas - com uma camioneta que andava a fazer transporte de vinho, o motorista tinha pensado em entrar na ponte para passar, entrou mas esbarrou ao lado, e a camioneta mergulhou para a vala ficando apenas com a traseira de fora. O homem lá conseguiu sair mas o vinho foi pela cheia abaixo.
Este foi então um dia especial de passeio em que a tal professora levou os seus alunos a ver a cheia, e Dalila ficou muito feliz com este passeio, de ver a cheia ali mesmo na beirinha, o que normalmente não acontecia, só via de longe, dos cabeços de Almodelim, pois a sua casa ficava mais perto dos cabeços.
No tempo das cheias a camioneta permanecia do lado de cá, e outra esperava do lado das Fontainhas, depois, vinham barcos dos pescadores, e assim passavam as pessoas até à outra camioneta. Mas Dalila nunca passou de barco, para além do medo não tinha nada que a levasse a Santarém em tempo de cheias.
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A tia era muito sua amiga e tinha uma vida com nível superior à da Julieta, por isso, quando saía para ver algum espectáculo onde Dalila podia entrar, levava-a, e lembra-se assim de uma ida ao teatro desmontável que certa companhia de Lisboa levou a Santarém.
Ainda outro episódio muito especial foi o das “Vozes de Portugal” na Ribeira de Santarém, uma loucura na época, feito pela Emissora Nacional, estavam lá os grandes artistas da altura, como Artur Garcia, António Calvário, Maria de Lurdes Resende, Tristão da Silva, Carlos Ramos e muitos outros de que já não lembra o nome.
Ninguém tinha carro naquela época, e vinha assim o senhor Borrego com o seu carro de praça buscar e trazer à Ponte do Celeiro, os tios o primo Zé e Dalila, e depois no fim dos espectáculos, e para o regresso a casa, ia de novo o mesmo táxi.
O único carro que havia na Ponte do Celeiro era, o carro do senhor Cordeiro, o dono da quinta, era um carro lindíssimo, com as barras de encaixe das portas, o tablier e mais peças todas feitas de madeira clarinha e envernizada.
Esse carro era sempre conduzido pela esposa do senhor Cordeiro, com ele sentado ao lado, e sempre a uma velocidade baixíssima, adequada aos carros da época e também à vida sem pressas que se vivia.
CONTINUA NO PROXIMO CAPITULO
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