quinta-feira, 17 de março de 2011

A VIAGEM


 

CAPITULO
23º

A VIAGEM

Lisete coitadita lá foi sozinha como o pai ordenou, saiu de Santarém recomendada ao cobrador. Teria de ficar em S. Martinho do Porto com os sacos que levava, e aí estava ela, cheia de medo nos seus oito anos envergonhados, encolhidita num banco, nunca falou com ninguém e ninguém falou com ela, ao ponto de ser completamente esquecida.

Quando o autocarro chegou a S. Martinho, Julieta ainda não tinha lá chegado à paragem a tempo de perguntar se ia lá a filha, e o autocarro seguiu viagem no fim de fazer ali o seu despacho normal.

Logo que Julieta chegou e perguntou a alguém pela filha, já tinha partido a camioneta rumo à Nazaré, Julieta aflita bem explicou que ia lá a filha, e que teria de ficar ali, então logo ligaram para a garagem da Nazaré, e assim quando o transporte chegou e viram que lá ia a menina, devolveram-na de novo para S. Martinho.

Assim fizeram, mas a angústia só findou quando ela chegou junto da mãe, com todo o seu medo, farta de viagens mas com a sua bagagem, da qual fazia parte uma caixinha de papelão, com bonequinhos pintados. Era a caixa das suas sandálias! Tinha uma pega de cordão de seda vermelho, parecia uma malinha, e que ela segurava cuidadosamente na sua mão, pois ali dentro ela levava toda a sua riqueza - mas as próprias sandálias estavam já nos pés. Depois, levava outra caixa, esta com as sandálias para a Graciete.

Coitada da Julieta, sozinha com as filhas mais pequenas, guardavam-se umas às outras, ali no meio do nada. Estava logo de manhã - quando as pessoas começavam a chegar à praia - junto da sua máquina das pipocas, mas isto era nos anos sessenta, e o que conseguia ganhar não chegava sequer para dar de comer as filhas.

Mas Deodato não desistia: a campanha da praia era para ser feita, se não estava a resultar ainda tinha mais recursos, era só pô-los em acção, e se assim o pensou, melhor o fez.

Mais alguns dias e voltou Deodato a Santarém. Disse a Dalila que fosse ter com a mãe, deu-lhe dinheiro para comprar o bilhete, e aí vai ela até S. Martinho do Porto. Em Santarém só ficava a avó Joaquina e Amália a fazer-lhe companhia, e a viver com pouco mais que nada e com ajudas de algumas vizinhas. Assim esperariam até que Julieta regressasse.

Chegada Dalila a S. Martinho do Porto, foi colocada noutra entrada no extremo norte da praia, com uma mesa-tabuleiro, enquanto a mãe continuava a sul, para estar mais perto do local onde estavam acampadas.

Ficaram por lá até Agosto e com muitas dificuldades para se sustentarem, e até para comprarem matéria-prima para as pipocas. Já lá estavam Julieta e quatro filhas mas Deodato achava que tinham o suficiente. Julieta esperou pelo fim-de-semana para resolver o problema do regresso a Santarém, com Deodato, mas ele nem apareceu. Então Julieta tomou uma decisão.

A DECISÃO

Acampados ali ao lado estavam um casal e dois filhos, o marido era padeiro e estava lá a trabalhar em tempo de época alta, numa padaria, e assim a família estava toda lá com ele, a passar o Verão também. Julieta falou com o casal, viram eles qual a sua situação aflitiva com os filhos, e emprestaram-lhe dinheiro para as viagens e ela por sua vez deixou-lhes lá a maquina das pipocas.

Quando Deodato por lá aparecesse, que lhes pagasse o dinheiro e levasse a máquina, ela já tinha feito tudo o que poderia fazer para lhe agradar, tomara consciência de que tinha uma filha já quase mulher e não queria continuar, assim, a dar-lhes aquela vida, nem coisa parecida.

Deixou a morada da casa para onde iriam viver de volta, despediu-se dos vizinhos e rumou a Santarém, onde foi ter com a mãe – a avó Joaquina - e a filha Amália, de quem todas já tinham muitas saudades.

Quando chegaram a Santarém, Julieta conversou com a mãe, fizeram uma análise da situação, e conversou com Dalila, pois ela era a mais velha das filhas e era preciso que tivesse consciência que a vida ia ser de alterações, e ela tinha de ajudar a dar essa volta à vida.

Julieta disse-lhe pois: ‘tu já és uma mulher, com a tua idade já consegues trabalhar a meu lado no campo, podes ganhar menos do que eu, porque é normal não pagarem o mesmo às raparigas mais novas, mas com o salário das duas já conseguimos ganhar para comermos, então vamos morar para a Atalaia, e vamos trabalhar para a apanha do tomate, vamos mostrar ao teu pai que já não precisamos dele, e não queremos andar nesta vida de ciganos.’

Dalila até ficou feliz, primeiro, porque já se achava uma grande mulher com os seus treze anos, depois, até vaidosa, por a mãe falar com ela daquele modo, de mulher para mulher, agora, em frente, e tudo ia correr bem.

A mãe foi falar com a avó Gertrudes, tinham de ir morar para a casa da avó - ela não vivia lá, estava na quinta do Ramalho a trabalhar, havia muitos anos, já quase desde que o avô tinha morrido. Se bem o pensou, melhor o fez, e logo no dia imediato seguiram Julieta, a avó Joaquina e as cinco netas, com o que lhes foi possível levar, na camioneta da carreira. Mais tarde voltariam para virem buscar as mobílias, quando ganhassem dinheiro para poderem pagar o transporte.

*

A casa da avó Gertrudes era muito pobre e pequena, composta apenas por uma cozinha e dois quartos, o chão de cimento, o telhado era telha vã, porque não tinha tecto, não tinha nada.

A telha era de canudo e, se uma casa não tinha tectos forrados - apenas as traves e ripas que suportavam o telhado - quando as telhas se afastavam e descaíam, acontecia o inevitável: como os Invernos eram frios, rigorosos, e chovia abundantemente, eram então os salpiquinhos da chuva que entravam por essas mesmas frestas.

Mas bem mais simpáticos e românticos eram os raios de sol que aqueciam assim as camas, ou passeavam alegremente pelas paredes, iluminando naturalmente um quarto sem janelas, quando o sol estava a pique, no seu ponto mais alto, e em dias de soalheiro.

Já instaladas, Julieta foi falar com pessoas que andavam por lá a trabalhar no campo, pois andava um grupo nos campos da Asseca a apanhar tomate, e foi só falarem lá com o capataz. Como ele precisava de mais mulheres para o trabalho, lá foram elas no dia seguinte trabalhar na apanha do tomate.

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