sexta-feira, 29 de abril de 2011

OS BAILES!!!


CAPITULO 27º

OS BAILES
Chegado assim o Ano Novo, tudo era igual nas comemorações, mais fritos ou algumas broas, ou arroz doce - especialidade mais confeccionada, nas festas de famílias mais pobres - mas havia mais do que a juventude gostava, os bailaricos da passagem do ano.
Um grupo de rapazes juntava-se e faziam-se sócios para contratarem um acordeonista, ou, algumas vezes, um duo, o que implicava já uma responsabilidade acrescida, mais dinheiro e, por isso mesmo, uma maneira de exploração do recinto mais pensada.
Isso levava por vezes as raparigas, também, a contribuir da forma como podiam. Juntavam-se algumas em grupos e faziam bolos para oferecer. Eles faziam leilão dos bolos para ajudar o resultado final, todos se divertiam, e todos contribuíam para a sua própria diversão. Os bailaricos eram quase os únicos eventos numa sociedade de aldeia, e eram por isso muito importantes, e ali nos bailes se conheciam rapazes que vinham das terras próximas.
A maioria deslocava-se sempre de bicicleta, o seu único meio de transporte, alguns já de motas, os que já estariam numa classe média, e ainda outros, bem poucos, já se deslocavam de carro, mas estes eram só os filhos de grandes famílias, considerados classe alta, que alguns até já andavam a estudar noutros graus.
A sala do baile era muito versátil, não havia sala fixa, servia uma adega, um celeiro, uma sala grande de casa de família, ou, até... imaginem... umas instalações da Escola Pratica de Cavalaria, em Mata 4, na Atalaia, Almoster. Mas é verdade! Nunca decerto a hierarquia máxima da Escola Prática teria disso conhecimento, mas a verdade é que Dalila, as suas amigas e os rapazes, dançaram ali num bailarico.
Alguém emprestou a sala a dois sócios que a pediram para o baile, o Augusto e o Carlos, eles já eram mais para a idade dos pais que das filhas, mas a condição para eles fazerem os bailes era essa, as meninas, cada uma por sua vez, tinham de dançar uma música com eles, senão, não haveria baile.
Algumas, mais sabidonas, enrolavam e nunca chegavam a dançar, mas as mais compreensivas pensavam, ‘uma música passava depressa’, depois tinham o resto da noite para dançarem com outros pares.
As mães estavam sempre presentes nos bailes, com as filhas, a primeira fila de cadeiras era toda dedicada às mães. Depois, as filas restantes eram para as filhas, ali bem na frente das mães, bem com o olho em cima. As raparigas e mães não pagavam entrada, só os rapazes pagavam, e os homens mais velhos, normalmente, davam o que podiam para ajudar.
Depois havia umas danças muito próprias para rentabilização do recinto, como por exemplo a ‘moda à Inglesa’, onde eram as raparigas que iam convidar os homens, e por vezes umas corriam a convidar os que pretendiam para uma aproximação de namoro. Outras ainda iam convidar alguém mais importante, até homens casados, para que se sentissem lisonjeados e pudessem fazer uma melhor contribuição para o baile.
Havia também a ‘moda da rosa’ que consistia no leilão de uma rosa na mão da menina ‘X’ – ‘quanto vale?’ Muitas vezes era picada por fora, e o seu par, se queria continuar a dançar com a ‘X’ tinha de cobrir o lance, ou poderia ficar mal visto diante da dama.
E ainda existia a ‘moda da vassoura’, essa era de paródia, começava uma vassoura a passar de par em par, no desenvolver da música, e de repente o músico parava, o par que estivesse com a vassoura saía, e assim seria até ao final dos pares. O par final ganhava um sumo para cada um.
*
Depois mais adiante no ano, chegavam os bailes do Carnaval, que era de dançar até se cair de cansaço. Começavam também por esta época os bailes ao Sábado - dava mais jeito para quem tinha de trabalhar ao Domingo.
O Carnaval ia de Sábado até Quarta-feira de tarde, com sessões em que se saía a cantar ainda, numa rusga do solidó, acompanhada sempre rua abaixo e rua acima com o acordeonista e os rapazes que se queriam juntar, até à noite de Quarta-feira de cinzas, quando se enterrava o Carnaval.
Era sempre um frenesim, antes, com o cuidado de arranjar um traje para cada dia, que depois iam trocando entre amigas para andarem sempre diferentes. Depois era sempre pelo Carnaval que as raparigas da província, nos anos sessenta, se atreviam a vestir calças.
Se não tinham calças femininas pediam emprestadas as dos homens - desde que estivessem bem tudo servia – e assim também se atreviam a andar de bicicleta, que pediam emprestada, isto na parte da manhã, nas cegadas, em que percorriam a aldeia.
Na passagem dessas cegadas era o aproveitar para pregar partidas - que se acautelassem! - as portas eram bem fechadas e nada de descuidos, porque senão ficava a panela sem galinha, o penico serviria de jarra, e tudo o que a imaginação ditasse na hora, acontecia.

CARNAVAL
Carnaval, são só três dias
Hoje, amanhã e depois
Pouco tempo a divertir
E muito em aflições.
Mostrar como era, eu queria
Carnaval, óh mocidade
Onde eu dizia, a brincar
Coisas que eram verdade.
Começava no S. Vicente
Cantar de alegria infinda
Havia macholhos, cegadas
Até Quarta-feira de cinzas.
Partidas que se faziam
Só tinham graça, eu acho
Lá se roubava a galinha
Metendo uma pedra no tacho.
E se uma jarra florida
Enfeitava, a mesa de jantar
Quando um penico voando
Era posto no seu lugar.
Brincadeiras sem ter fim
Pois nada parecia mal
Tudo tinha o seu desconto
Em tempo de Carnaval.

Era assim: os mascarados irreconhecíveis, os macholhos, com as suas críticas sociais, e os rapazes, sempre na linha da frente, um pé sempre pronto para avançar de corrida, logo que o tocador abrisse o fole do acordeão, que muitas vezes se abria em falsa partida.
Isto tudo enquanto as raparigas não começaram a aceitar par adiantado. Assim, bastava um sinal e, se conviesse, o par já estava aceite, ou não, poderia também levar uma tampa à distância. Mas muitas vezes já andavam com pares combinados, para mais de  cinco músicas.

O BAILE DA PINHA
Ainda existiam os bailes da pinha, eram uma euforia, ali quase todas as raparigas é que ofereciam as fitas de seda para prender e preencher a pinha, e cada fita que as moças ofereciam procuravam personalizá-la.
Escolhiam assim a fita mais bonita e mais larga, chegando mesmo a mandar bordar à máquina as fitas com um desenho escolhido a gosto, e o nome da respectiva menina.
Depois, os sócios do baile amarravam todas as fitas na pinha, escolhendo eles a menina que queriam fazer Rainha do Baile, e prendiam de tal jeito que, por mais que se puxasse na hora de abrir a pinha, a da Rainha não sairia, saíam todas as outras, mas aquela seria assim nomeada Rainha, tal como o rapaz que comprasse a fita, na hora do leilão, seria o Rei.
Teriam direito a um lindo bolo e a uma garrafa de espumante, para acompanhar e dividir entre os pares que estivessem a participar naquela dança, e esse bolo, normalmente, era oferecido pela Rainha do ano anterior.
No ano em que Dalila fez quinze anos ofereceu também a sua fita para o baile da pinha, como todas as outras moças, mas só a mãe sabia dessa situação. Quando chegou a hora de ir para o baile o pai ainda não tinha chegado a casa.
Como era costume, as primas chamaram-na para que fossem todas juntas, mas ela, a mãe aliás, estava aflita, com receio da reacção do pai, se as deixasse ir sem lhe pedirem, poderia se mau. Mas como ele não chegava e o baile era perto de casa, deixou-as ir com as primas, ficando ela em casa.
Quando ele chegou, tomou conhecimento do assunto e não gostou, ou fez mesmo de propósito para as fazer rabear, e fez a mulher ir chamar as filhas para que voltassem para casa. Elas pediram e rogaram, mas nada, a prima até foi lá falar com ele, e nada. Depois ela disse-lhe ainda ‘agora a rapariga tem lá a fita pendurada e fazes uma coisa destas’. Ai!... Aí foi a desgraça, ele não sabia, claro, e então  diz, ‘Ah!… ainda mais, uma fita!... e ninguém me diz nada! Pois agora é que ela não vai!’
Moeu, remoeu… mas a prima não desistiu e atirou-lhe: ‘olha lá, agora é que elas são novas, têm de brincar, divertirem-se, elas fartam-se de trabalhar, e estão lá todas menos elas, eu vou levá-las, deixas por mim, e voltam para casa comigo, venho cá pô-las’.
 Depois ele, lá acabou por dizer, ‘bem então hoje mandas tu, ficam à tua responsabilidade, hoje mandas tu’.  Dalila, toda ela já farta de chorar, foi lavar a cara, mas foi de olhos inchados para o baile, bom, o que importava era ir mesmo, e o resto da noite foi compensada a dançar.
Quando eram três horas apareceu o pai lá no baile, chamou a prima e diz-lhe: ‘olha lá, ainda não achas horas de ir pôr esse pessoal a casa?’
Ela respondeu que iam todas já a seguir e assim foi, mas foi uma daquelas noites, em que elas tiveram de agradecer à prima a intervenção dela, tinha tido mais força do que os pedidos e as rezas aos Santos.
*
Falta referir que já aí vinha dentro de semanas a véspera da Páscoa, que também era dia para baile, e se por algum motivo não houvesse baile na Atalaia, as raparigas iriam decerto - as que os pais deixassem - a alguma terra vizinha, mas sempre acompanhadas pelas mães.

FIM DO 27º CAPITULO




26º CAPITULO


A NOITE DE NATAL
Chegou finalmente a véspera do Natal. Esse era o dia dos preparativos para a grande noite e, por conseguinte, para o grande dia, limpezas, e a compra de uns quilos de farinha para fazer os coscorões. O azeite para os fritar já havia, teria sido apanhada a azeitona e trocada no lagar pelo azeite, não só para fazer os fritos das festas natalícias mas, também, para gastar no dia-a-dia na confecção da alimentação.
A primeira coisa a fazer para a época natalícia, eram as broas, faziam-nas sempre uma semana antes, cada mãe de família tinha as suas receitas, muitas vezes ciosas delas, e não gostavam de as divulgar, gostavam que fossem as únicas, ter a sua especialidade.
Comprava-se mais um quilo de açúcar e canela para polvilhar os fritos, e também para mais algum mimo, matava-se um bico de criação, que seria um galo ou galinha grande, da capoeira, criada apenas com os restos de alimentos de casa ou legumes da horta.
A véspera de Natal era muito importante e tradicional dentro das possibilidades de cada família e, a de Dalila, sendo pobre, seguia a tradição, comendo as couves portuguesas ou de sete semanas, como lhe chamavam na aldeia, criadas e cortadas na horta, com batatas e o respectivo bacalhau, que nessa época ainda fazia parte da alimentação dos pobres.
A ceia era cozida e comida logo à hora habitual como nos outros dias, a seguir ia tratar-se de amassar os fritos, eram amassados no mínimo três quilos de farinha dentro de um alguidar de barro vidrado, despejada a farinha no alguidar, e procedia-se à colocação dos ingredientes de tempero para que ficassem gostosos.
Dalila já tinha aprendido com a mãe a temperá-los, começava por pôr meia mão de sal, que na aldeia se dizia ‘meia macheia de sal’, o mesmo que se colocava para meio alqueire de pão, alguns ovos de acordo com os que havia para gastar, sumo de laranja, um pouco de fermento em pó, um pouco de vinho branco, e um pouco de aguardente, raspa de casca e sumo de laranja.
Envolviam-se todos os ingredientes, começando por amassar, juntando pouco a pouco a água fervida com limão, continuando a amassar bastante, até que a massa se torne macia e feita numa grande bola. Trabalhava-se a massa até que ao cortar com uma faca ela ficasse bem arrendada no corte, deixando descansar de seguida um pouco.
Entretanto preparava-se a fogueira na chaminé com lenha previamente organizada, cortada e rachada em cavacas, para arder em lume certo.
O azeite ficava em cima da fornalha ou trempe, até à fervura, dentro de um tacho ou caçarola largos e suficientemente fundos para fritar e voltar os coscorões, que já estavam estendidos, recortilhados e, ao serem colocados, poderem ir ao fundo e subir em fritura, empolados, e fáceis de se voltarem.
Lavado o mesmo alguidar onde tinham amassado os coscorões iam-se colocando os mesmos depois de fritos, em camadas, e eram polvilhados com açúcar e canela.
Todas estas tarefas eram divididas entre a família, cada uma fazia a sua parte para que tudo corresse bem, até ao final da noite da consoada. Acabado o trabalho era hora de provar e sentir o prazer, de comer os coscorões acompanhados por uma boa caneca de café de mistura ou um cacau quentinho.
Ao lado da fogueira e da trempe já alguém teria posto uma grande cafeteira de barro, ou esmalte, a cafeteira do café, para ir aquecendo a água até à fervura, juntavam-se umas colheres de café de mistura na hora certa, mexia-se, e tinha-se uma caneca com água fria à mão, que se deitava assim que o café subia e se preparava para entornar com a fervura. Afastava-se depois do lume para assentar, e era um regalo, este café da cafeteira na casa de Julieta para acompanhar os primeiros coscorões na noite de Natal.
Tudo acabava por ali cerca da meia-noite. Depois de se arrumar a cozinha, as crianças já tinham ido para a cama, deixando o sapatinho na chaminé, e um ratinho de chocolate saltava lá para dentro.
Como Dalila já ‘trabalhava para o ratinho’, e já não punha o sapatinho, era ela que se encarregava de colocar as prendas nos sapatinhos das manas pequenas, já podia até acrescentar a sua oferta, já tinha o seu dinheirito, mesmo que pouco.

O DIA DE NATAL
O resto da noite era bem dormida. De manhã ao levantar, voltavam ao mesmo cenário: atear o lume novamente, espreitava-se como iria estar o tempo do dia 25 de Dezembro, mais café e coscorões - era dia de Natal – e havia a missa às 11h30, no Mosteiro de Santa Maria de Almoster. Tinham de ir a pé, ficava ainda a três quilómetros, e o pai bem lhes dizia até: ‘digam qual é o santo da vossa da vossa devoção que eu compro cá para casa’ - isto só para elas não irem à missa a Almoster. 
A noite tinha sido muito gelada, estava tudo branquinho de tanta geada, a avó Joaquina dizia que ‘não se via um palmo na frente do nariz’ com tanto nevoeiro, um verdadeiro cenário natalício.
Mas o pior é que não havia casacos… estavam congelados. Reparem e pensem bem… casacos congelados para vestir e ir à missa no dia de Natal… Mas lá estavam eles, pendurados no arame, mesmo debaixo do telheiro, não havia nada a fazer.
E a alegria era a mesma, a festa faziam as irmãs mais pequenas, divertidas, não tinham missa era verdade, mas tinham os casacos congelados, inteiriçados, esticados nos arames e, sempre que passavam por eles, naquele dia, davam-lhes uma pancada, para sentir como estavam duros, tanto que pareciam um pau, os seus casaquinhos do dia de Natal.
Chegada a hora do almoço, este poderia ser ‘roupa velha’, uma mistura dos restos, legumes cozidos e bacalhau às lascas, da véspera, ou até grão cozido com bacalhau, não havia propriamente uma tradição no almoço de uma família pobre. Já para o jantar teriam sempre uma galinha para matar e fazer uma canja de galinha caseira, que era muito bom, a galinha corada depois e, como sobremesa, poderia ser um arroz doce e os fritos.
No largo da aldeia, ou mais junto das tabernas, havia sempre um cepo do Natal a arder, antes já os homens haviam deitado o olho a algum bom madeiro que pudessem ir buscar para a acender na noite de Natal, a maioria das vezes era até roubado, mas isso também dava pica ao pessoal, pelo menos aos mais jovens.
Iam mais tarde com um macho e uma carroça - que era o transporte mais fácil de arranjar – ou depois com algum tractor, mais um grupo de homens para conseguir carregá-lo, e descarregavam-no no sítio escolhido e era então ateado o fogo, para o aquecimento dos homens que estavam por ali.
Esse cepo era sempre suficientemente grande para ficar a arder desde a noite de Natal até à noite de Ano Novo - passada essa quadra já se deixava apagar, o importante era o calor da época natalícia.
O Natal era mesmo a festa da família, ninguém fazia mais nada de diversão. Se havia uma pessoa vizinha ou amiga que não fizesse fritos de Natal, era por algum condicionalismo, que até poderia ser a morte de algum familiar. Já não faziam então nada para festejar o Natal. Mas mesmo a essa pessoa ou família não lhe faltaria nada, todas as vizinhas se lembrariam de lhe ir levar um pratinho do que tivessem feito na sua casa, sendo um dos bons costumes de solidariedade, numa pequena aldeia.

CONTINUA NO PROXIMO CAPITULO

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